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Foto do escritorP. Pagliarin (Vika)

Uma noite mágica (Conto de Natal)




Para muitos, existe aquela data do ano especial. Uma data que esperamos na expectativa de que algo mágico aconteça. O dia que veremos nossos familiares e que de alguma forma esqueceremos as nossas diferenças por algumas horas, para desfrutar de um momento agradável em meio a troca de presentes e, é claro, da ceia. O natal.


Me chamo Serena, tenho vinte e quatro anos, olhos verdes e cabelos castanhos. Sou modista e certamente não tenho muitas habilidades dentro da cozinha. A minha família é como a de muitas outras, mas a verdade é que neste ano as coisas vão ser um pouco diferentes porque celebraremos essa noite com a família de nossos vizinhos. Sinceramente, não sei o motivo da minha mãe tê-los convidado, mas apenas me conformei. Nós nunca fomos próximos e, ainda assim, hoje estaríamos todos reunidos. 


Seriam, ao total, oito pessoas à mesa e eu, como de costume, cuidaria da parte da comida. Eu só não sabia que enfrentaria tantos imprevistos por conta disso este ano. Quando minha mãe me pediu ajuda, achei que faria o rondelli* como nos anos anteriores, mas fui surpreendida ao descobrir que ela me deixaria responsável pelo peru. Algo que na minha vida nunca cozinhei. 


Sem saída, fui ao mercado naquela semana e comprei os ingredientes para a receita, mas ainda assim me sentia insegura de preparar o mesmo. Quero dizer, o peru na nossa família sempre foi o prato principal da ceia de natal. O que eu faria se estragasse tudo? Foi o que pensei sozinha olhando para o animal congelado cru em minha bancada. 


Estava tensa e em desespero quando minha mãe me ligou do seu trabalho pela manhã para perguntar se estava tudo bem então, sem querer decepcioná-la, falei: 


— Claro, a senhora não tem com o que se preocupar.


— Sabia que poderia contar com você, serena. 


Falou ela me agradecendo mais uma vez antes de desligar o telefone e eu me sentindo extremamente tensa comecei a ver vídeos sobre como preparar um bom peru de natal. Procurei algumas receitas, mas mesmo vendo elas, ainda não sabia se conseguiria fazer isso de forma correta. 


Para começar o meu peru estava congelado e na receita dizia para deixar o mesmo descongelando por quarenta e oito horas de forma natural. Tempo este que eu não tenho. Procurei uma segunda opção online e achei uma pessoa que o colocou no micro-ondas. Resolvi fazer isso, mas quase que ele não coube no meu eletrodoméstico. 


Já com ele mais descongelado reservei os miúdos para fazer o molho como dizia a receita e para amenizar o sabor artificial do tempero o coloquei em uma tigela grande lavando-o sob água corrente. Tudo parecia finalmente sob controle, mas quando fui derreter a manteiga com o vinho, me esqueci de desligar o fogo e a mistura quente acabou espirrando na minha mão. Eu estava frustrada e com dor quando a campainha tocou. 


Corri para atender, estranhando a mesma estar tocando, pois não estou esperando visitas. Abri a porta ainda de avental e falei:


— Pois não?


— Olá, eu sou Henrique. Filho da dona Lurdes, sua vizinha. Ela me pediu para vir até aqui entregar a farofa e...


Vi que o mesmo se calou por algum motivo e preocupada perguntei:


— Algum problema? 


O rapaz apontou para dentro da minha residência e quando eu vi a fumaça tomando conta do ambiente gritei e sai correndo:


— Meu molho!


Cheguei na cozinha encontrando o condimento completamente queimado. Apavorada, desliguei a boca do fogão. Foi neste momento que vi o tal rapaz dentro da minha casa abrindo as janelas e admito que nem me senti incomodada com a invasão, pois a situação estava realmente complicada. Demorou alguns minutos, mas quando a fumaça começou a diminuir eu falei:


— Me desculpe por isso. As coisas não estão saindo como eu gostaria. 


Vi ele olhando para a bagunça que estava na minha bancada e me senti humilhada. O que eu ia dizer a ele? Que não sei o que estou fazendo? Que o peru, não apenas, ainda não está no forno como, eu ainda não o temperei? Consegui, não apenas, me queimar fazendo o molho como, ainda quase coloquei fogo em minha própria casa? Nenhuma das opções eram boas. Fato.


— Coloquei a farofa em cima da mesa da sala. Ela está pronta e é só aquecer mais tarde.


Falou ele retomando o diálogo e eu concordei ainda sem jeito. Admito que o olhei atentamente pela primeira vez naquele momento, notando que Henrique e eu temos idades similares. O mesmo é um rapaz branco, com aproximadamente um metro e oitenta de altura, olhos cor de mel e cabelos pretos. Estava perdida em meus pensamentos quando o mesmo perguntou me fazendo voltar a realidade:


— Você quer ajuda no preparo do peru? Posso não aparentar, mas sou bom na cozinha. Se quiser, posso te ajudar com isso e logo ele vai estar assando no forno.


Eu ia negar a sua oferta, mas olhei para o relógio e sabendo que se errasse mais alguma coisa não teríamos peru na mesa durante a ceia, então comentei:


— Vou aceitar, se esse peru não sair como planejado minha mãe me mata. 


Vi que ele sorriu e lhe passei um avental, que o jovem vestiu, reorganizando a minha bancada rapidamente em seguida, começando a preparar o molho em uma nova panela, uma vez que, a que usei teria que ficar de molho para que o queimado saísse. 


Notei que o rapaz tinha muita habilidade na cozinha e fiquei surpresa, mas não achei ruim. Muito pelo contrário. O mesmo começou a me explicar o passo a passo do que estava fazendo, eu fui aprendendo e tirando dúvidas sempre que não sabia como fazer algo. Foi engraçado, pois de alguma forma nós nos divertimos bastante juntos e o peru, que até então era um enorme problema, foi finalmente temperado e levado ao forno. 


Eu estava lavando a louça quando resolvi perguntar algo para ele:


— Posso saber com o que trabalha? Você leva muito jeito na cozinha.


— Sou policial, mas amo cozinhar. Na verdade, minha avó tinha um restaurante e quando ela era viva eu cozinhava muito com ela. — Falou ele e eu acabei me sentindo culpada de fazê-lo se lembrar de sua parente falecida. 


— Sinto muito por sua perda. Tenho certeza de que vocês se divertiam muito na cozinha. — comentei


— Está tudo bem, já faz alguns anos que ela partiu. Sem falar que, eu estar na cozinha é uma forma especial de manter ela comigo. Sei que pode parecer bobo e até infantil, mas gosto de manter as memórias importantes aqui.


Ele apontou para o seu coração e eu achei aquilo fofo, mas antes de poder lhe falar algo Henrique pareceu notar a bolha enorme na minha mão e me afastou da pia. O olhei confusa e ele perguntou:


— Onde você tem pomada para queimadura e gaze? 


— Não tenho, nunca me queimei assim.


Eu respondi com naturalidade, mas ele me pediu para esperar um momento e correu até sua casa, que fica em frente a minha, retornando minutos depois com tudo. Ele me fez sentar na bancada e logo começou a fazer um curativo em minha mão machucada. Admito que fiquei corada com o jeito gentil dele, mas o deixei terminar de cuidar da louça como pediu. O mesmo se despediu pouco depois indo embora para se arrumar.


Eu terminei de colocar a mesa e quando já era quase a hora de nossas famílias se reunirem eu fui me arrumar. Tomei um bom banho e coloquei o vestido florido que tinha comprado para depois me maquiar. 


Admito que foi difícil fazer isso com apenas uma mão, mas dei um jeito. Sem conseguir, porém, colocar a sandália sozinha, desci com ela em mãos e logo a campainha tocou. Era Henrique que tinha voltado todo produzido e incrivelmente cheiroso. O cumprimentei, sem jeito, e falei:


— Você veio cedo. Seus pais e os meus ainda não chegaram.


— Quis ver como o peru está. Às vezes, é bom retirá-lo um pouco do fogo e jogar o molho por cima com uma colher, para depois voltar a deixar ele assando novamente.


Concordei não tendo pensado nisso e falei pouco depois:


— Entre e fique à vontade. 


Ele assentiu indo até a cozinha para mexer com o peru e eu retornei até a sala, onde me sentei em uma das poltronas e recomecei a luta com a minha sandália. Não conseguia de jeito nenhum a fechar e estava começando a ficar irritada quando vi Henrique se ajoelhar e falar:


— Eu te ajudo com isso. 


Deixei-o fechar a sandália para mim em ambos os pés e já calçada falei:


— Obrigada.


O mesmo disse que não foi nada, mas nós ficamos nos encarando e após alguns minutos em silêncio dessa forma eu o vi se aproximar. Eu poderia tê-lo afastado, mas não o fiz. Na verdade, me aproximei e senti os seus doces lábios colados nos meus. 


O beijo começou de forma calma, mas logo se tornou em um beijo de tirar o fôlego. Estávamos curtindo o momento quando nos assustamos com a campainha que tocou. Nos afastamos tímidos e eu fui receber a todos, que chegaram empolgados. Eles entraram e se acomodaram, mas foi aí que perceberam a presença de Henrique ali e eu comentei:


— Ele me ajudou com o peru.


— Eu não fiz muito. Apenas estava de olho no forno.


Mentiu ele na cara dura e eu ri. Os nossos pais nos olharam desconfiados, mas nada falaram para nós. No fim aquela estranha noite de Natal, se tornou extremamente agradável. Todos comemos juntos e celebramos comendo, não apenas aquele peru que deu tanto trabalho, mas a ceia em si. Trocamos presentes, bebemos e rimos a noite toda. 


Eu me diverti muito com a minha família e meus vizinhos, mas admito que naquela noite mágica o que recebi de presente foi outra coisa. Naquele natal conheci Henrique, meu novo amor e o homem com quem me casaria três anos mais tarde e passaria o resto da minha vida. 


Fim.

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*Rondelli: Alimento composto por uma massa enrolada com um recheio. Pode ser feito com diversos sabores e também pode levar um molho.

 

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